Nuno Maria está de saída
após 15 anos de permanência…
“É ALTURA DE DEIXAR
DE FORMA ABERTA AS PORTAS PARA QUE OUTROS ASSUMAM A SUA LINHA DE TRABALHO”
Depois
de vários anos na PEL, Nuno Maria está de saída. Será razão para perguntar,
porquê?
As razões são várias, mas o passado mês de
Dezembro, foi claramente o momento que marcou esta decisão. Primeiro um
problema de saúde, agudizado pelo stress contínuo do clube, e depois a decisão
do presidente do clube, naquele momento, em não continuar na próxima época. Decisão
tomada e informada numa reunião com colaboradores e decisiva para mim. Pois
desde o primeiro momento que me juntei a este projecto sempre disse que aquando
da saída do presidente que eu também sairia. Este foi um projecto montado e
desenvolvido com base escolar, dirigido por professores e com filosofias
diferenciadas do actual associativismo, por isso muito ímpar e diferenciador,
penso que o sucesso das conquistas teve estes princípios por base. Depois é
fácil de perceber, que não poderia continuar com esta linha sozinho. Saliento
que não sou profissional de desporto, sou profissional de Educação Física e o esforço
e tempo dados a este projecto praticamente me tiraram o tempo para ter vida
própria, foram muitos anos a assumir muita coisa e só neste ano foram 80 jogos
em 36 fins-de-semana, viagens e mais viagens, comecei a época com 4 equipas e
foi até rebentar. Relembro que tinha a coordenação técnica e as Seniores no
escalão máximo do voleibol nacional. O apoio foi sempre residual e é
humanamente impossível de manter e aguentar, pelo menos para mim, sabemos o
enquadramento deste tipo de clubes. Todos os anos me competiram tarefas
paralelas, tanto logísticas, como de treinadores, atletas, patrocinadores e
muito mais, tudo somado dá como resultado uma saturação, um desgaste
incomportável, ultrapassável só com muita carolice e abdicando de muita coisa. Depois
o estado do voleibol actual e os valores, é difícil entender muita coisa, as
verbas que estão inerentes à competição, as coimas, etc, e depois a parte ética.
Até se atingir um certo patamar, existem sempre muitos amigos, depois é o
salve-se quem puder e isso é a morte dos projectos, porque o rácio atletas de
qualidade/ clubes na primeira divisão/ condições estruturais é muito baixo e
depois obviamente surgem as ultrapassagens pela direita e isso não pode ser para
este projecto, o contexto e a filosofia que este projecto tinham não se coaduna
com alguns aspectos desta realidade federada, para ultrapassar isso tivemos de
nos focar naquilo que nos move, nas atletas e no proporcionar de uma prática
devidamente orientada e de excelência.
Depois a grande dificuldade em transmitir
valores desportivos, algumas vezes por inexistência de educação desportiva,
depois pelo contexto da sociedade, onde o compromisso, a responsabilidade e
muitos mais valores não são enquadrados num modelo desportivo, mas isso é um
problema de todos e de difícil resolução, que se tem alastrado e que é de
difícil controlo. O saber estar, o saber fazer e perceber que só é possível com
trabalho, exigência e que é preciso respeitar estados de desenvolvimento, são
de difícil explicação e muitas vezes incompreendidos, logo problemáticos. É
muito difícil planear a médio/ longo pois os factores externos e os quais não
controlamos são imensos e estar constantemente a lutar contra eles é inglório e
muito ingrato. Começar, recomeçar e voltar a fazer pode ser muito interessante,
mas desgastante e quando não é devidamente alimentado, reconhecido e apoiado é
inevitável e todos sabemos o resultado final, é o que está à mostra.
Também nos últimos tempos senti claramente
que a minha linha de pensamento para o clube era uma linha cada vez mais diferenciadora
e como sempre coloquei os interesses do clube á frente dos meus, é altura de
deixar de forma aberta as portas para que outros assumam a sua linha de
trabalho, sem que tenha qualquer interferência.
Depois o factor decisivo a minha família, tem
sido ela a grande sacrificada e muitas vezes preterida em prol dos outros, é
então o momento para ela que mais do que ninguém merece.
Como neste momento nunca poderia assumir tudo
o que é do clube, como nunca foi isso que desejei e como as atuais alternativas
têm pontos de vista antagonistas dos meus é a altura de sair.
“Saio
de consciência tranquila”
-
Provavelmente não terá sido fácil tomar esta decisão?
Têm sido meses muito difíceis, dolorosos para
mim, são 15 anos onde dei tudo, onde construi muito, permiti a muitas atletas
crescerem, lutarem e alcançarem sonhos. Foi para elas que sempre me dediquei,
para lhes poder proporcionar o que nunca tive, na minha margem, e dando-lhes
todo o meu trabalho e saber. Mas para irmos à luta temos de ter condições
mínimas, porque senão o prazeroso torna-se doloroso e para isso temos de
trabalhar todos muito, o problema esteve no todos.
Mas saio de consciência tranquila, não só
pelo percurso realizado até aqui, mas pelo trabalho preparado para o que se
segue, está devidamente enquadrado e estou mais que seguro que os próximos 5
anos estão garantidos em termos de qualidade, foram muitos anos investidos no projecto,
agora há que continuar e melhorar o que está feito. Quando cheguei existia uma
equipa, não haviam bolas oficiais, treinavam num relvado sintético ao ar livre
e basicamente não havia nada, hoje quem pegar tem tudo e tem tudo com um
carimbo de qualidade, desde material até à qualidade das atletas. Mas também
por isso tem muita responsabilidade em manter e melhorar, se é possível, claro
que sim, mas só com muita dedicação, entrega, competência e humildade, quando
se vem para aqui o todo e os outros são mais importantes do que o eu, engane-se
quem ache que vai agradar a todos e que o clube serve de projector de
individualidades e egos, esse é o caminho errado.
“Fazer
muito, com pouco…”
- Para
trás fica o sucesso de um trabalho notável a nível da formação e um feito que
mais ninguém conseguiu a sul do Tejo, ter uma equipa sénior na 1.ª Divisão
Nacional. Sente orgulho naquilo que fez?
Sinto muito orgulho, mas tudo só foi possível
com trabalho sério e de equipa, com atletas que se dispuseram a ajudar e que
são referências nacionais, acreditaram no que se estava a fazer e vieram com
espírito de missão e responsabilidade pelo desenvolvimento do voleibol, mas estou
certo que ninguém ainda percebeu o que se fez aqui, da dificuldade daquilo que
se alcançou e do que permitiu a tantos atletas e clubes crescerem connosco.
Ajudamos a reduzir a décalage entre voleibol da margem sul e da margem norte, do
norte do país e do sul do país e deixamos uma marca.
Mostramos que é possível fazer muito com
pouco, sendo honestos, cumpridores e competentes. Apostamos tudo na formação, na
desportiva e na académica, sabíamos que só era possível fazer muito bem,
fazendo de forma excelente na base, investimos num modelo de jogo, investimos
nas muitas horas de trabalho e investimos na quantidade e qualidade, sobretudo
apostando em treinadores de excelência. Foi fundamental aferir, avaliar com
rigor e tentar sempre melhorar.
O mais difícil não foi atingir patamares de
excelência (também foi), mas sim manter os mesmos, pois outros clubes com muito
melhores condições e escolas de formação de excelência noutras modalidades não
atingiram, tornou-se hábito irmos a fases finais e enviarmos atletas para as selecções
nacionais.
O trabalho foi construído de forma horizontal
(dentro de cada nível) e de forma vertical (entre níveis diferenciados),
trabalhar por níveis de desenvolvimento, em vez de escalões, trabalhar com
modelos onde o padrão e a orientação final é o grupo sénior, realizar isto e
nunca esquecer a especificidade de cada grupo, de cada pessoa, é muito trabalho
realizado com muito profissionalismo e só ao alcance de quem se predispõe a
trabalhar muito e bem.
“Continuarei
ligado ao desporto escolar da minha escola”
- Um
técnico com as suas credenciais, certamente não vai ficar parado. Está disponível
para abraçar um novo projecto?
Hoje estou disponível para ir para casa,
descansar, reflectir e estar junto dos meus, é o que farei a partir de dia 3 de
Junho. O resto não é prioridade. É verdade que já me tentaram contactar, mas
não falei com ninguém, primeiro porque tenho ainda as iniciadas em competição e
depois porque não é a minha prioridade.
- Há
algo mais que queira acrescentar?
Dizer que aquilo que mais desejo é que todas
continuem a jogar voleibol, de preferência na PEL, que sejam felizes e que se
gostam realmente de voleibol que o respeitem, dando o seu melhor e querendo
sempre ser o melhor, persistindo e ultrapassando obstáculos, definindo objectivos
e sonhando, porque tudo é possível. Eu estarei sempre cá disponível para todas
as atletas e para quem precisar de mim.
Quero obviamente agradecer a todos os que
partilharam este percurso comigo, não quero mencionar nomes para não me
esquecer de ninguém, sobretudo as atletas, mas também os treinadores e
patrocinadores que confiaram no trabalho e sem eles não teria sido possível.
Agradecer à Junta de Freguesia de Amora e à
Câmara Municipal do Seixal, pelo apoio constante e por apoiarem o Voleibol.
Por fim agradecer aos meus amigos e
familiares por me terem apoiado sempre e terem permitindo este longo caminho,
sabendo da importância do mesmo para mim, em prol dos outros.
É um até já ao voleibol federado da PEL, mas
continuarei ligado ao desporto escolar da minha escola que é a Pedro Eanes
Lobato, trabalharei com o meu grupo disciplinar e com a Direcção da minha
escola de forma a continuarmos a formar atletas de voleibol e encaminharmos os
mesmos para o federado, como tão bem têm feito nos últimos anos.